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O mestre da internet

O mestre da internet

Atrás da mesa do empresário Severino Felix da Silva, numa moldura na parede, está pendurada uma camisa azul de 36 anos. É o uniforme de seus tempos de office-boy. Lembrança do primeiro emprego do caçula de uma família de nove filhos que, como tantas outras, deixou a seca do interior da Paraíba na esperança de melhorar de vida. Ao contrário da maioria dos retirantes, o caso dele teve final feliz. Hoje, aos 54 anos, o empreendedor é dono da Escola 24 Horas, um portal de educação com faturamento em torno de R$ 12 milhões no ano passado — 70% a mais que a cifra registrada em 2007. Para este ano, a previsão é crescer mais 30%.

Com 600.000 usuários cadastrados, a empresa, fundada em 2000 no Rio de Janeiro, vende seus serviços a 200 escolas, a companhias do calibre da IBM e também diretamente a internautas. Ainda atua no Chile e no México. Como o nome sugere, o objetivo do serviço é reproduzir na internet o ambiente escolar 24 horas por dia. O maior diferencial fica por conta do plantão de dúvidas, para alunos da educação infantil ao pré-vestibular. Segundo o empreendedor, em 90% dos casos, os professores de dez disciplinas respondem em 20 minutos às perguntas enviadas. O limite máximo previsto é de uma hora. (A reportagem esperou nove minutos pela resposta para uma questão sobre as novas normas de ortografia enviada às onze da noite de uma terça-feira.)

O portal oferece também aulas virtuais e biblioteca, com material didático próprio e links para outros sites. Reforçam o conteúdo blogs, podcasts, salas de bate-papo, notícias e colunistas como o teólogo Frei Betto e a presidente da ONG Faça Parte — Instituto Brasil Voluntário, Milú Vilela. Para as escolas, há um banco de perguntas, utilizado por professores na preparação de provas e uma área de exposição de fotos das atividades dos estudantes. Outro espaço é reservado para divulgação de notas e comunicados aos pais.

Cada instituição de ensino cadastrada paga uma mensalidade de cerca de R$ 6 por estudante matriculado, seja ele usuário do portal ou não. Uma vez fechado o contrato, todos — alunos, pais e professores — ganham senha para navegar no portal.“A grande sacada de Felix foi dar a escolas menores acesso a um sistema que, sozinhas, não teriam condições de oferecer”, diz Vinicius Canedo, diretor administrativo do Mopi, colégio carioca que paga mensalmente R$ 6.600 pelo serviço. Terceira colocada no ranking nacional do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a escola aproveita o material didático do portal também durante as aulas.

O negócio de Felix impressiona por sua engenhosidade e pelo porte que atingiu (ele mantém segredo sobre dados financeiros como a lucratividade e informações operacionais, como o número de professores e coordenadores). Além do espírito empreendedor, pesou na sua trajetória pessoal uma determinação descomunal. Desde os 5 anos, Felix vivia com a família em Jandira do Sul, no interior do Paraná. Até que, aos 15 anos, tomou a primeira atitude ousada de sua vida: vendeu a bicicleta para comprar a passagem de ônibus para o Rio de Janeiro. Instalado na casa de uma tia num subúrbio carioca, foi trabalhar como office-boy, primeiro num laboratório farmacêutico e depois em uma financeira.

No segundo emprego, ele deu uma importante guinada profissional. Ao ouvir a bronca do chefe em um funcionário que havia errado na preparação de contratos, decidiu tomar para si a tarefa. “Aproveitei a viagem do diretor para pegar os documentos da mesa dele”, diz.“Passei a madrugada preparando a papelada, com base em um modelo pronto.” Na manhã seguinte, comunicou o feito ao diretor. Suava frio. “Morri de medo de ele me mandar para a rua por ter mexido nas suas coisas”. Em vez de demissão, veio a promoção para um cargo criado sob medida para ele. “Virei o responsável pela elaboração dos contratos, com mesa própria e três datilógrafas para chefiar.” Com o novo salário, quatro vezes maior, pôde ingressar no curso noturno de economia de uma faculdade particular. O episódio lhe rendeu uma lição valiosa: para avançar no mercado, às vezes é preciso, sim, meter o nariz onde não se é chamado. “Aprendi a importância da disposição para correr riscos.”

Terminada a faculdade, conseguiu, em 1978, emprego de gerente financeiro numa editora especializada em livros técnicos universitários. Lá montou uma divisão de cursos apostilados de treinamento a distância para o mercado corporativo e tornou-se o principal executivo do negócio.“Em dois anos, faturávamos mais que a empresa-mãe”, afirma. No fim dos anos 80, Felix decidiu aproveitar a experiência com educação para abrir seu primeiro negócio: uma escola de informática para crianças. Juntou economias num montante equivalente hoje a R$ 50.000 e tomou outros R$ 50.000 em financiamento bancário. Do pai de um aluno veio a ideia de levar o curso para colégios convencionais. Mais uma lição de empreendedorismo: “Não dá para ficar sentado na cadeira. É preciso sair e aprender com o cliente”.

Desse aprendizado nasceu, em 1991, a Trend Tecnologia Educacional. Especializada na implementação de cursos de informática em escolas, a empresa cuidava de tudo o que estivesse envolvido no processo, da instalação dos computadores e softwares ao envio dos professores responsáveis pelas aulas. A fórmula, inicialmente, pegou. O negócio chegou a atender mais de 100 estabelecimentos de ensino — entre eles, o tradicional Colégio São Bento, do Rio de Janeiro, e o Mackenzie, de São Paulo. Só que, no fim dos anos 90, com a popularização dos microcomputadores, a clientela foi minguando.“ Os alunos passaram a ter micro em casa e já não era mais necessário ensinar como usá-los”, diz. Na mesma época, a internet despontava e Felix não teve dúvida: “O modelo de negócio tinha que passar pela web”. E afirma: “Todo empreendedor tem que saber identificar a hora de mudar para se sintonizar com os novos tempos”.

Na nova reviravolta, Felix vendeu a Trend e aproveitou a base de 70 clientes para inaugurar a Escola 24 Horas, com investimento de US$ 1,5 milhão, em pleno boom da internet. “Como muitos empreendedores da época, começamos com metas extremamente ambiciosas”, conta ele. “Planejávamos crescer 100% ao ano.”Com o estouro da bolha, os resultados deixaram a desejar. E muito. “Em 2004, o faturamento era metade do previsto inicialmente.”

Felix, porém, não jogou a toalha. “É preciso saber se adaptar para enfrentar cenários inesperados”. Com isso em mente, o jeito foi buscar novos clientes. Integram o filão empresas interessadas em contratar o serviço para as famílias de seus funcionários, como é o caso da IBM, e também pessoas físicas. “Como os pais têm cada vez menos tempo para ajudar os filhos com a lição de casa, imaginei que adotariam uma ferramenta que colaborasse com a tarefa.” Aposta certeira. Atualmente, os dois mercados respondem, juntos, por cerca de 40% da receita do negócio. A maior parte das vendas ao usuário final ocorre em parceria com a Brasil Telecom, que oferece o serviço à clientela. “Preferi concentrar as vendas para o varejo nas mãos de quem tem experiência no assunto.” Ainda assim, o site tem um canal para vendas diretas ao consumidor, com um pacote que custa R$ 9,90 por mês.

Para tirar o negócio do vermelho, o empreendedor também atuou em outra frente: o corte de custos. “Até então eu havia descuidado das despesas”, conta. “Aprendi a duras penas que controlar as saídas de caixa é tão importante quanto buscar novos clientes.” Ao longo de 2005, a empresa decepou seus gastos em 50%. Para isso, demitiu 80 dos 120 funcionários, terceirizou os servidores e trocou o escritório de 600 m² por um de 250 m². Desde então, os professores e coordenadores de cada disciplina trabalham em casa. Mensagens eletrônicas e videoconferências possibilitam a comunicação da equipe com os coordenadores pedagógicos, instalados na sede. Felix admite que, no início, não viu a mudança com bons olhos.“Fui o último a aceitar a ideia de mandar o pessoal para casa”, diz. “Mas hoje vejo que eles trabalham tão bem longe dos meus olhos quanto aqui.”Parte do sucesso do sistema, acredita ele, vem da criação de mecanismos de controle das tarefas. É o caso, por exemplo, do monitoramento do tempo para o envio das respostas de cada profissional aos alunos.

Em meio à reestruturação, Felix fez questão de manter os investimentos em inovação. “Aí não dá para cortar.” E justifica: “É impossível sobreviver sem desenvolver sempre novos serviços e tecnologias”, diz. Com isso em mente, ele lançou o podvest, um podcast com dicas para vestibulandos. A ferramenta emplacou nas escolas.“ Muitos alunos escutam as dicas no ônibus a caminho das aulas”, conta a diretora pedagógica do colégio Mopi, Regina Canedo.

Para deslanchar o Escola 24 Horas, Felix contou com uma injeção, em 2001, de US$ 3,25 milhões do IFC, braço do Banco Mundial para o setor privado. Em troca, a instituição ficou com 25% das ações da companhia, mais tarde recompradas pelo empresário. A credibilidade do negócio cresceu com o aporte do respeitado IFC e a possibilidade de investir pesado em marketing e tecnologia.

A operação começou de forma um tanto inusitada. “Um diretor do IFC, de férias em Paris, interessou-se pelo projeto depois de ler uma reportagem sobre o negócio no [jornal francês] Libération”, conta Felix. Por intermédio da instituição, o empreendedor chegou à Aula Click, empresa que tem como sócios a Microsoft e a Telmex. Juntos lançaram o serviço Aula 24 horas em espanhol. Com tecnologia fornecida pela parceira brasileira, o portal tem hoje 300.000 usuários de colégios mexicanos e chilenos.

Mas será que o desfecho seria o mesmo se o executivo do IFC não lesse o jornal francês?“Com certeza, não”. E ele dá mais uma lição: “O sucesso também depende de bons contatos e de um pouco de sorte”. Nos momentos em que o azar parece falar mais alto, ele olha para a camisa azul na parede.“Vejo o uniforme e digo para mim mesmo: ‘Você não tem do que reclamar’.”

Por Carin Homonnay Petti
Fonte: Pequenas Empreas, Grandes Negócios

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